sexta-feira, 13 de junho de 2014

O Maior Amor e as Coisas que Se Amam. - Fernando Pessoa.

''Tomara poder desempenhar-me, sem hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma saudade e uma aspiração, a consciência de um dever comprido.
  Mas dia a dia o que vejo em torno meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades de minha inteligência para com meu senso moral. Hora a hora (...) que escreve as sátiras surge colérica em mim. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço, mãos inúteis e olhar amargurado, levando para terra fria uma alma que não soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração indefinida, inutilizada.
  Nem choro. Como chorar? Eu desejaria poder, querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para esta pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que sinto quando nela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a humanidade. Parece cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo. Só aqui olho registro sobre papel, acanhadamente ainda assim, para que alguma parte fique escrita. Sim, fique aqui escrito que amo a pátria funda, (...) doloridamente.''
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário