domingo, 11 de maio de 2014

Carta da esposa.

Ouvimos a porta bater do quarto bater mais forte durante semanas. Você sempre aparece e desaparece depois de despejar meia dúzia de palavrões que, no fim das contas, nós dois sabemos, que não mudam nada em nossa triste situação. Talvez, no fundo, tenha a certeza de que, independente do que for dito, eu sempre estarei te esperando com a casa organizada e as roupas passadas na gaveta, naquele mesmo lugar de sempre.
 Esperar você chegar durante a noite é como me preparar para guerra. O corretivo serve para camuflar minhas noites de choro virada para o outro lado. O batom vermelho, para tentar te fazer se lembrar do nosso primeiro encontro no parque, no final dos anos 1990. Acho que isso é uma espécie de escudo. No reflexo do espelho, enxergo claramente alguém que você amou, mas, no fundo, sei que já não sou mais essa pessoa há anos. É triste, e está ficando cada vez mais tarde. Seu carro não estaciona. O inimigo, que um dia já foi meu amigo, não vem hoje.
 No porta-retratos da sala, ainda estamos felizes e sorrindo. Aquela é minha foto predileta, mas confesso que já faz alguns dias que não olho pra ela para tentar lembrar do que nós éramos, mas sim para tentar inutilmente o que me faltou ser. Isso tem me deixado louca.
 Sinto tanta falta das suas mãos. Das mensagens com respostas imediatas. Dos planos para o final de semana. Da viagem tradicional de fim de ano. Da possibilidade e da ansiedade de nos tornarmos quatro em alguns meses. De dormir sabendo do seu dia. Do cheiro dos seu perfume na sua pele. Da luz do sol batendo pela manhã nos seus fios de cabelo. De você nervoso perto do meu pai. De ouvir a estação que só fala sobre futebol enquanto andamos de carro. De dormir olhando nos seus olhos. Quando foi que nossos pés pararam de se encontrar na cama?
 Minhas amigas dizem que você tem outra. Que neste ponto da história, talvez, conhecer alguém me faça muito bem. Mas qualquer cara que eu esbarro por aí parece alguma cópia falsificada de alguma fase sua. Do colegial, quando você usava All Star, ouvia folk e era absolutamente inseguro com sua barba ainda meio falha. Ou então da faculdade, quando você não tinha tempo pra nada, não entendia a maneira como seu pai lidava com a morte e sonhava em conhecer a Venezuela. Férias de 2003. Nós não nos casamos pensando que daria errado. Acho que até fomos felizes. Especialmente quando misturamos nossas almas e colocamos no mundo alguém com sua boca, meus olhos e os cabelos ruivos e finos que sua mãe tinha. Agora, sinceramente, não consigo mais lembrar de quem que era antes de te conhecer. E não sei se aquela minha versão ingênua e inocente conseguiria dar conta de tudo isso sozinha. Então por favor, responda de uma vez, você vai, não vai? Se sim, o que vou dizer pra ela quando um garoto da turma agir como um idiota covarde? Dizer que ele fez o mesmo que você?



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